Professores da UFBA: Linda Susan e Antonio Andrade. |
COMIDA TAMBÉM É VÍCIO
“Não
existe, porém, nenhuma pílula mágica para o emagrecimento. Perder peso apenas
com fármacos é pretensão, no mínimo, ingênua. A mudança de hábitos alimentares,
com o acompanhamento de um nutricionista, associada ao uso de fármacos é a
combinação que tem demonstrado os melhores resultados” afirma Andrade. Atenta
aos inúmeros problemas de saúde associados à obesidade e ao aumento crescente
de obesos no mundo, e ainda com o agravante da obesidade em crianças e
adolescentes, associada ao consumo inadequado de alimentos ultraprocessados,
segue o alerta do neurologista e professor da UFBA Antonio Andrade nos faz.
COMIDA TAMBÉM É VÍCIO
Você aí devorando o terceiro prato –
mesmo já estufado de gordura - enquanto cobra cadeia e até pena de morte para drogados
– saiba que também é um dependente químico e figura em um dos piores grupos de
risco do planeta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, morrem por ano
na Europa 250 mil pessoas em decorrência de maus hábitos alimentares. No
Brasil, 27 milhões de pessoas estão muito acima do peso, ou seja, obesas.
Os cientistas já vêm observando há
muito tempo aspectos comuns entre o alimentar-se compulsivamente e a
dependência química. Por exemplo: a psiquiatra Nora Volkow, do Instituto
Nacional contra o Abuso de Drogas em Bethesda (Estados Unidos), percebeu,
usando Tomografia por Emissão de Pósitron (que escaneia o cérebro), uma
correlação negativa entre a massa corporal e a concentração de receptores de
dopamina no nucleus accumbens.
Isso significa que quanto mais gorda a
pessoa menor a disponibilidade de receptores dopaminérgicos, o que sugere que o
comer compulsivo pode ser uma forma de compensar o pouco efeito desse
neurotransmissor, ligado ao prazer, à motivação e ao movimento. Teoricamente, a
ingestão de alimento deveria liberar mais dopamina, mas, diante da escassez dos
receptores, a solução é comer mais ainda para experimentar prazer.
Ora, o nucleus accumbens forma com o septo, a área tegmentar ventral e o
córtex órbito-frontal o circuito da busca de prazer e da recompensa, ativo em
todo processo de drogadição. A tolerância naturalmente desenvolvida pelo
organismo leva o viciado – incluindo aí o obeso – a precisar de doses cada vez
mais altas. Um dos sintomas da abstinência é o denominado cravin (fissura), desejo de consumir algo muito específico, como
chocolate, álcool ou cocaína.
Núcleo do Prazer
Conhecido como “núcleo do prazer”, o nucleus accumbens é composto por um
grupo de neurônios sabidamente ligados ao mecanismo da dependência. Muito
importante na regulagem da emoção e da motivação, esse módulo é um centro de
convergência de fibras procedentes da amígdala, do hipocampo e dos lobos
temporais. Por outro lado, projeta sinais para regiões com o córtex cingulado,
os lobos frontais e o hipotálamo.
Todas as substâncias que levam à
dependência promovem a liberação de grandes quantidades de dopamina nessa
região, o que se traduz numa sensação de enorme prazer. A cocaína e a
anfetamina, por exemplo, aumentam até cinco vezes a concentração de dopamina no
nucleus accumbens, o mesmo
acontecendo com a heroína, a nicotina etc.
Uma de suas projeções exerce comando
direto sobre o hipotálamo, região que regula, entre muitas outras coisas, o
comportamento alimentar. Animais de laboratório modificados geneticamente para
não produzirem dopamina deixam clara a relação desse neurotransmissor com o
prazer: eles perdem a motivação, param de comer e acabam morrendo de inanição.
A amígdala é outro módulo muito
importante para a compulsão alimentar. Ela é uma estrutura bastante antiga e de
grande importância para o sistema límbico (o das emoções). Sua atuação sobre o
comportamento alimentar foi claramente demonstrado por Kevin LaBar, do Centro
de Ciências Cognitivas da Universidade de Duke (Estados Unidos).
Num de seus estudos, ele apresentou produtos
comestíveis ou não a nove participantes saudáveis e famintos, depois de um
jejum de oito horas que precedeu o experimento, e cujos cérebros foram
monitorados mediante o uso de tomografia dinâmica. Após alguns testes, foi-lhes
permitido alimentar-se fartamente, antes de novamente serem submetidos ao
tomógrafo.
Comparando a atividade cerebral dos
voluntários antes e depois da refeição, LaBar descobriu que, durante o jejum, a
amídala entrava em atividade frenética quando qualquer coisa comestível surgia
em seu campo de visão. Alimentados, a coisa mudava, o que prova que essa peça
funciona como um alarme para o organismo.
Na Universidade Emory, em Atlanta, o
neurocientista Clinton Kilts desenvolveu estudo semelhante com dependentes de
cocaína. Não deu outra: a amígdala reagia de forma exacerbada toda vez que aos
viciados eram apresentadas fotos das típicas fieiras dessa droga estimulante do
sistema nervoso. Esses e outros estudos revelaram que vários mecanismos
cerebrais subjacentes ao comer compulsivo são os mesmos ligados ao consumo de
álcool, de cocaína, ao jogo compulsivo etc.
Alguns medicamentos usados em terapias
contra o uso de drogas têm ajudado os pacientes a controlar a fissura, também
contribuindo para que os obesos se mantenham com a boca fechada cada vez, por
mais tempo. Antagonistas da morfina, como o naloxone e o naltrexone, dão bons
resultados. Drogas bloqueadoras dos receptores de canabinóides ajudam a
controlar a compulsão alimentar. Não existe, porém, nenhuma pílula mágica para
o emagrecimento. Perder peso apenas com fármacos é pretensão, no mínimo,
ingênua. A mudança de hábitos alimentares, com o acompanhamento de um nutricionista,
associada ao uso de fármacos é a combinação que tem demonstrado os melhores
resultados.
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