segunda-feira, 1 de julho de 2013

Comida é vício!

Professores da UFBA: Linda Susan e Antonio Andrade.


COMIDA TAMBÉM É VÍCIO

Não existe, porém, nenhuma pílula mágica para o emagrecimento. Perder peso apenas com fármacos é pretensão, no mínimo, ingênua. A mudança de hábitos alimentares, com o acompanhamento de um nutricionista, associada ao uso de fármacos é a combinação que tem demonstrado os melhores resultados” afirma Andrade. Atenta aos inúmeros problemas de saúde associados à obesidade e ao aumento crescente de obesos no mundo, e ainda com o agravante da obesidade em crianças e adolescentes, associada ao consumo inadequado de alimentos ultraprocessados, segue o alerta do neurologista e professor da UFBA Antonio Andrade nos faz.


COMIDA TAMBÉM É VÍCIO

Você aí devorando o terceiro prato – mesmo já estufado de gordura - enquanto cobra cadeia e até pena de morte para drogados – saiba que também é um dependente químico e figura em um dos piores grupos de risco do planeta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, morrem por ano na Europa 250 mil pessoas em decorrência de maus hábitos alimentares. No Brasil, 27 milhões de pessoas estão muito acima do peso, ou seja, obesas.
Os cientistas já vêm observando há muito tempo aspectos comuns entre o alimentar-se compulsivamente e a dependência química. Por exemplo: a psiquiatra Nora Volkow, do Instituto Nacional contra o Abuso de Drogas em Bethesda (Estados Unidos), percebeu, usando Tomografia por Emissão de Pósitron (que escaneia o cérebro), uma correlação negativa entre a massa corporal e a concentração de receptores de dopamina no nucleus accumbens.
Isso significa que quanto mais gorda a pessoa menor a disponibilidade de receptores dopaminérgicos, o que sugere que o comer compulsivo pode ser uma forma de compensar o pouco efeito desse neurotransmissor, ligado ao prazer, à motivação e ao movimento. Teoricamente, a ingestão de alimento deveria liberar mais dopamina, mas, diante da escassez dos receptores, a solução é comer mais ainda para experimentar prazer.
Ora, o nucleus accumbens forma com o septo, a área tegmentar ventral e o córtex órbito-frontal o circuito da busca de prazer e da recompensa, ativo em todo processo de drogadição. A tolerância naturalmente desenvolvida pelo organismo leva o viciado – incluindo aí o obeso – a precisar de doses cada vez mais altas. Um dos sintomas da abstinência é o denominado cravin (fissura), desejo de consumir algo muito específico, como chocolate, álcool ou cocaína.

                                                  Núcleo do Prazer

Conhecido como “núcleo do prazer”, o nucleus accumbens é composto por um grupo de neurônios sabidamente ligados ao mecanismo da dependência. Muito importante na regulagem da emoção e da motivação, esse módulo é um centro de convergência de fibras procedentes da amígdala, do hipocampo e dos lobos temporais. Por outro lado, projeta sinais para regiões com o córtex cingulado, os lobos frontais e o hipotálamo.
Todas as substâncias que levam à dependência promovem a liberação de grandes quantidades de dopamina nessa região, o que se traduz numa sensação de enorme prazer. A cocaína e a anfetamina, por exemplo, aumentam até cinco vezes a concentração de dopamina no nucleus accumbens, o mesmo acontecendo com a heroína, a nicotina etc.
Uma de suas projeções exerce comando direto sobre o hipotálamo, região que regula, entre muitas outras coisas, o comportamento alimentar. Animais de laboratório modificados geneticamente para não produzirem dopamina deixam clara a relação desse neurotransmissor com o prazer: eles perdem a motivação, param de comer e acabam morrendo de inanição.
A amígdala é outro módulo muito importante para a compulsão alimentar. Ela é uma estrutura bastante antiga e de grande importância para o sistema límbico (o das emoções). Sua atuação sobre o comportamento alimentar foi claramente demonstrado por Kevin LaBar, do Centro de Ciências Cognitivas da Universidade de Duke (Estados Unidos).
Num de seus estudos, ele apresentou produtos comestíveis ou não a nove participantes saudáveis e famintos, depois de um jejum de oito horas que precedeu o experimento, e cujos cérebros foram monitorados mediante o uso de tomografia dinâmica. Após alguns testes, foi-lhes permitido alimentar-se fartamente, antes de novamente serem submetidos ao tomógrafo.
Comparando a atividade cerebral dos voluntários antes e depois da refeição, LaBar descobriu que, durante o jejum, a amídala entrava em atividade frenética quando qualquer coisa comestível surgia em seu campo de visão. Alimentados, a coisa mudava, o que prova que essa peça funciona como um alarme para o organismo.
Na Universidade Emory, em Atlanta, o neurocientista Clinton Kilts desenvolveu estudo semelhante com dependentes de cocaína. Não deu outra: a amígdala reagia de forma exacerbada toda vez que aos viciados eram apresentadas fotos das típicas fieiras dessa droga estimulante do sistema nervoso. Esses e outros estudos revelaram que vários mecanismos cerebrais subjacentes ao comer compulsivo são os mesmos ligados ao consumo de álcool, de cocaína, ao jogo compulsivo etc.
Alguns medicamentos usados em terapias contra o uso de drogas têm ajudado os pacientes a controlar a fissura, também contribuindo para que os obesos se mantenham com a boca fechada cada vez, por mais tempo. Antagonistas da morfina, como o naloxone e o naltrexone, dão bons resultados. Drogas bloqueadoras dos receptores de canabinóides ajudam a controlar a compulsão alimentar. Não existe, porém, nenhuma pílula mágica para o emagrecimento. Perder peso apenas com fármacos é pretensão, no mínimo, ingênua. A mudança de hábitos alimentares, com o acompanhamento de um nutricionista, associada ao uso de fármacos é a combinação que tem demonstrado os melhores resultados. 


       Profº Antonio Andrade – Neurologista